Quitação Antecipada de Dívida e a Cobrança de Encargos
- Rafael Lima
- 10 de dez. de 2014
- 4 min de leitura
A questão jurídica cinge-se, em apertada síntese, na legalidade da cobrança de encargos financeiros quando houver pagamento antecipado da dívida.
Salvo melhor juízo, entende-se por abusiva tal cobrança. De efeito, o direito positivo brasileiro, numa percepção sistemática do ordenamento jurídico, pretende facilitar o pagamento antecipado da dívida, pois o que se pretende inibir é a mora e não o pagamento antes do vencimento.
Tal fundamento decorre da exegese das normas que regulamentam a relação jurídica de direito material em referência, cabendo mencionar em especial o Código de Defesa do Consumidor, que no segundo parágrafo de seu art. 52 assegura ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos pactuados, regra esta já prevista há muito no art. 7º do Decreto 22.626/33 (Lei da Usura)[O devedor poderá sempre liquidar ou amortizar a dívida quando hipotecaria ou pignoratícia antes do vencimento, sem sofrer imposição de multa, gravame ou encargo de qualquer natureza por motivo dessa antecipação.]
Por se tratar de Instituição Financeira a ocupar o pólo passivo desta demanda, mister seja ressaltado o descumprimento de norma específica, emanada por uma das autoridades com atribuição de regulamentar o mercado financeiro do qual aquela participa: a Resolução nº 3.516/2007 editada pelo Conselho Monetário Nacional, de forma clara, estabelece, em seu artigo 1º, que fica vedada às instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada nos contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil financeiro, firmados a partir da data da entrada em vigor desta resolução com pessoas físicas e com microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
Diante desse arquétipo normativo, vê-se que, havendo pagamento antecipado da dívida, a cobrança de qualquer encargo é indevida e abusiva.
Com efeito, eventual cláusula contratual prevendo tal encargo é nula. Nessa orientação, aduz o Professor Nelson Nery Júnior[Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª edição, São Paulo: Forense Universitária, 2001, p. 560]:
“Os bancos ou instituições financeiras em geral, bem como fornecedores com financiamento próprio (lojas com departamentos de crediário), terão de proporcionar ao consumidor a liquidação antecipada do financiamento, se ele assim pretender, fazendo a competente redução proporcional dos juros e outros acréscimos. Cláusula contratual que preveja renúncia do consumidor à restituição ou diminuição proporcional dos juros e encargos previstos neste dispositivo é abusiva, não obrigando o consumidor (art. 51, nºs I, II, IV, XV, CDC)”.
Chamado a se manifestar por diversas vezes, Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado corrobora tal entendimento, senão vejamos:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. PAGAMENTO ANTECIPADO. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS SOBRE PARCELAS VINCENDAS PAGAS ANTES DO VENCIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 52, §2º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES DE JUROS E ENCARGOS FINANCEIROS DAS PARCELAS VINCENDAS E PAGAS ANTES DO VENCIMENTO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO”.[ Apelação Cível nº. 0046791-78.2007.8.19.0001, julgada em 08/06/2010 pela Quinta Câmara Cível, de relatoria do Desembargador Antonio Saldanha Palheiro.]
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. PAGAMENTO ANTECIPADO DAS PARCELAS DO FINANCIAMENTO. DESCONTO DOS ENCARGOS CONTRATUAIS. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA NESSA PARTE. É devida a redução prevista no § 2º do artigo 52, do Código de Defesa do Consumidor, sob pena de admitir-se o enriquecimento sem causa da instituição financeira, que estaria recebendo antecipadamente as parcelas ainda não vencidas somadas aos encargos contratuais calculados sobre todo o período do financiamento. O não acolhimento de tese trazida à apreciação do Poder Judiciário, por si só, não justifica imputar à parte a pena por litigância de má-fé prevista no artigo 17, I, do Código de Processo Civil. A devolução em dobro do indébito prevista no Parágrafo único, do artigo 42, do Código de Defesa do Consumidor, só tem incidência havendo prova de má-fé do credor em cobrança abusiva. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO”.[ Apelação Cível nº. 0001469-39.2006.8.19.0011, julgada 07/05/2008 pela Sexta Câmara Cível, de relatoria do Desembargador Francisco de Assis Pessanha.]
“REPETIÇÃO DE INDÉBITO. QUITAÇÃO ANTECIPADA DE CONTRATO DE MUTUO COM PACTO ADJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULO. REDUÇÃO PROPORCIONAL DOS ENCARGOS. ART.52, §2º, DO CDC. Contrato que nada dispõe quanto ao pagamento antecipado da divida, limitando-se a cláusula 5ª a prever o vencimento antecipado de toda a dívida no caso de inadimplemento, o que não foi o caso, em face de 5 que foi tolerada a mora do apelado no pagamento de algumas das prestações em atraso, recebidas com acréscimo de juros e demais encargos contratuais. Se o banco mutuante autorizou a alienação da garantia a terceiro, pois era quem detinha a propriedade do veículo em razão do pacto acessório de alienação fiduciária, não pode se valer de sua própria autorização para imputar ao apelado o desfalque da garantia. Ainda que houvesse cláusula que obrigasse o consumidor ao pagamento da totalidade do débito ao optar pela antecipação do pagamento, sem a redução proporcional dos juros e demais acréscimos, a mesma seria nula de pleno direito, por infringir o art.52, §2º, do Código de Defesa do consumidor, que assegura o abatimento proporcional dos encargos. Dessa forma, em face da cobrança a maior e em contrário a texto expresso de lei, a devolução em dobro é devida, na forma do art.42, parágrafo único. DESPROVIMENTO DO RECURSO”[ Apelação Cível nº. 0029456-51.2004.8.19.0001, julgada em 05/04/2006 pela Décima Oitava Câmara Cível, de Relatoria da Desembargadora Celia Meliga Pessoa.].
Conclui-se, portanto, que, tal como ratificado nos julgados transcritos alhures, os valores cobrados indevidamente deverão ser devolvidos em dobro, eis que a previsão contratual e a cobrança respectiva é manifestamente ilegal e abusiva, o que é de pleno conhecimento das instituições financeiras, ensejando a apenação estabelecida no parágrafo único do art. 42 do CDC.

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