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A RESPONSABILIDADE DAS CORRETORAS E GESTORES DE INVESTIMENTO PELA OMISSÃO INFORMACIONAL NA VENDA DE COEs

  • Foto do escritor: Rafael de Amorim
    Rafael de Amorim
  • 11 de out.
  • 4 min de leitura

1. Introdução

O avanço do mercado financeiro e a popularização de produtos estruturados trouxeram novas oportunidades de investimento, mas também ampliaram o risco de assimetria informacional entre instituições financeiras e consumidores. Entre esses produtos, os Certificados de Operações Estruturadas (COEs) ocupam lugar de destaque, pois unem elementos de renda fixa e variável, exigindo elevado grau de compreensão técnica.

O presente artigo examina a responsabilidade civil das corretoras e gestores de investimento pela comercialização de COEs e produtos similares sem adequada informação ao consumidor, à luz do Direito do Consumidor, da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e da doutrina especializada.


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2. Natureza jurídica do COE e o dever de informação

O COE é regulamentado pelo Banco Central do Brasil (Resolução CMN nº 4.263/2013) e pela CVM, e consiste em operação estruturada emitida por instituição financeira, combinando títulos de renda fixa com derivativos.

Embora oferecido como investimento “personalizado” e, em certos casos, “protegido”, o COE pode conter barreiras, gatilhos e limitações de resgate que, se não explicadas de forma clara, configuram vício do serviço.

O dever de informação é um dos pilares da boa-fé objetiva nas relações de consumo e financeiras. Nos termos do art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990):

“São direitos básicos do consumidor: (...) III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.”

Em complemento, o art. 31 impõe que:

“A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores.”

Tais dispositivos são reforçados pelo art. 14 do CDC, que consagra a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços:

“O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

No contexto de produtos financeiros, tais normas assumem relevância redobrada, diante da vulnerabilidade técnica do investidor e da complexidade das operações.

3. Jurisprudência: o caso Banco Santander (TJ/RJ, Proc. 0325166-26.2018.8.19.0001)

Em sentença paradigmática proferida pela 1ª Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, no processo nº 0325166-26.2018.8.19.0001, a consumidora ajuizou ação contra o Banco , alegando falha informacional na aplicação em investimento que não permitia resgate antecipado, fato não informado pela preposta do banco.

O Juízo reconheceu a natureza consumerista da relação e condenou o banco com base no dever lateral de informação e na boa-fé objetiva. O dispositivo da sentença foi claro:

“Caberia à ré comprovar que cumpriu com seu dever lateral de informação, corolário da boa-fé objetiva. (...) A autora logrou êxito em demonstrar que, efetivamente, quando da contratação do investimento, não lhe foi informado acerca da impossibilidade de resgate. (...)JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para:(a) condenar o réu a devolver, em dobro, os valores retidos a título de resgate antecipado;(b) pagar à autora os rendimentos da aplicação durante o período em que o valor ficou custodiado;(c) reparar os danos morais no valor de R$ 3.000,00.”

A sentença aplicou o art. 42, parágrafo único, do CDC, determinando a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente:

“O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”

Trata-se de precedente emblemático, pois reconhece a falha informacional como causa direta de prejuízo patrimonial e moral, reafirmando a responsabilidade objetiva da instituição financeira e a incidência plena do CDC nas operações de investimento.

4. Entendimento jurisprudencial e doutrinário convergente

4.1. ConJur (2013): omissão de riscos e indenização

Em artigo publicado na ConJur sob o título “Gestor de fundos que não informa riscos deve indenizar investidor por perdas” (02/03/2013), destacou-se decisão judicial que condenou gestor de fundos de investimento por não informar adequadamente os riscos das operações.

A decisão reforçou que a omissão quanto a riscos é vício de serviço, e que o gestor deve atuar com diligência e transparência, sob pena de responder civilmente pelos prejuízos suportados pelo investidor.

5. Fundamentos legais aplicáveis

Além dos dispositivos do CDC, o ordenamento jurídico brasileiro prevê normas específicas sobre conduta diligente de intermediários financeiros:

  • Lei nº 4.595/1964, art. 4º, VIII — competência do Conselho Monetário Nacional para disciplinar o funcionamento das instituições financeiras e proteger a poupança popular.

  • Resolução CMN nº 4.539/2016, art. 2º — impõe aos intermediários financeiros a obrigação de adotar práticas compatíveis com os princípios de ética, diligência e transparência.

  • Instrução CVM nº 539/2013, art. 1º e 2º — determina que instituições devem avaliar o perfil de risco do cliente e fornecer informações claras sobre características e riscos dos produtos ofertados.

Essas normas integram o regime jurídico de tutela da confiança, que vincula as instituições financeiras ao dever de lealdade, diligência e informação adequada.

6. Conclusão

A jurisprudência, a doutrina e a regulação convergem para afirmar que as corretoras e gestores de investimento respondem civilmente pelos prejuízos decorrentes da omissão informacional na oferta de produtos financeiros complexos, como os COEs.

A transparência não se limita ao cumprimento formal de entrega de prospectos ou assinatura de termos de ciência, mas exige clareza efetiva e inteligível, compatível com o grau de conhecimento do consumidor.

A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a responsabilidade objetiva (art. 14) reforçam que a proteção ao investidor é consequência direta da sua vulnerabilidade técnica e econômica.

Conclui-se, portanto, que:

O gestor ou corretora que oferta investimento sem prestar informações claras e compreensíveis sobre seus riscos, limitações e condições de resgate incorre em falha na prestação de serviço, sendo civilmente responsável por todos os prejuízos — materiais e morais — suportados pelo investidor.

Tal entendimento harmoniza-se com os princípios da boa-fé objetiva, da transparência e da confiança legítima, pilares indispensáveis à estabilidade do sistema financeiro e à credibilidade do mercado de capitais.

Referências

  • TJ/RJ – Processo nº 0325166-26.2018.8.19.0001. Sentença da 1ª Vara Cível da Comarca da Capital.

  • ConJur (02/03/2013) – “Gestor de fundos que não informa riscos deve indenizar investidor por perdas”.

  • Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), arts. 6º, 14, 31 e 42.

  • Instrução CVM nº 539/2013.

  • Resolução CMN nº 4.539/2016.

 
 
 

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