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Bug de Preço na Black Friday: Quando o Consumidor Pode Exigir o Cumprimento da Oferta?

  • Foto do escritor: Rafael de Amorim
    Rafael de Amorim
  • 3 de nov.
  • 4 min de leitura

A Black Friday, tradicional evento de descontos do comércio eletrônico, tornou-se sinônimo de oportunidades — e também de controvérsias jurídicas. Entre os principais conflitos está o chamado “bug de preço”, situação em que o fornecedor anuncia um produto com valor muito abaixo do mercado e, após a compra, cancela unilateralmente sob a alegação de erro sistêmico ou falta de estoque. Surge então a pergunta: o consumidor pode exigir o cumprimento da oferta?

1. A vinculação da oferta e o dever de cumprir o preço anunciado

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é claro ao vincular o fornecedor ao que anuncia. De acordo com o artigo 30, “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços, obriga o fornecedor que a fizer veicular e integra o contrato que vier a ser celebrado”.

Assim, se o consumidor conclui a compra com base em uma oferta publicamente divulgada — seja no site, em e-mail promocional ou em plataforma de marketplace — o fornecedor fica obrigado a cumprir o preço anunciado. A revogação posterior da oferta só seria legítima se demonstrado erro grosseiro e evidente, perceptível pelo homem médio, o que não se confunde com o simples “baixo preço”.

O artigo 35 do CDC reforça essa obrigação ao prever que, em caso de recusa de cumprimento da oferta, o consumidor pode:I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;II – aceitar outro produto ou serviço equivalente; ouIII – rescindir o contrato, com direito à restituição do valor pago e perdas e danos.

Portanto, a regra é o cumprimento forçado da oferta. A exceção — o erro escusável — depende de prova robusta por parte do fornecedor.

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2. O “erro de preço” e a boa-fé objetiva

Nem todo erro justifica o descumprimento. A jurisprudência tem reconhecido que apenas o erro grosseiro, perceptível de imediato, afasta a vinculação.

Por exemplo: se um automóvel de R$ 200 mil é anunciado por R$ 200,00, o descompasso é tão gritante que o consumidor não poderia legitimamente acreditar tratar-se de uma promoção. Já nas hipóteses em que o desconto é plausível — especialmente em datas promocionais como a Black Friday —, prevalece o dever de honrar a oferta.

O princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, III, e art. 51, IV, do CDC) orienta tanto o consumidor quanto o fornecedor. O comerciante, ao divulgar promoções, deve adotar mecanismos de controle que evitem falhas previsíveis no sistema e não pode transferir ao consumidor o ônus de sua desorganização interna.

3. Cancelamento por “falta de estoque”: justificativa legítima ou prática abusiva?

Outro argumento recorrente é o cancelamento da compra por “falta de estoque”. Contudo, o art. 30 do CDC também abrange o dever de garantir disponibilidade real do produto anunciado. Quando o fornecedor realiza publicidade em massa sem reserva de quantidade, cria legítima expectativa no consumidor, de modo que a alegação genérica de esgotamento pode configurar prática abusiva (art. 37, § 1º, CDC).

O art. 39, inciso XII, veda expressamente ao fornecedor “deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar de cumprir a oferta quando do fornecimento de produtos ou serviços”. A ausência de estoque, portanto, não pode servir de pretexto se o consumidor já concluiu a transação e obteve confirmação do pedido.

4. Responsabilidade solidária das plataformas e marketplaces

Nos casos de compras realizadas em marketplaces, a responsabilidade pela oferta é solidária entre o vendedor e a plataforma que hospeda o anúncio, conforme o art. 7º, parágrafo único, e art. 25, § 1º, do CDC. Isso significa que o consumidor pode exigir o cumprimento da oferta de qualquer um dos envolvidos, cabendo entre eles discutir eventual regresso.

5. O entendimento dos tribunais

A jurisprudência brasileira tem se consolidado no sentido de que, salvo erro evidente, o fornecedor deve cumprir o preço anunciado.

O STJ já afirmou que “o erro escusável não se confunde com o erro grosseiro, devendo o fornecedor adotar sistemas eficazes de controle de preço, sob pena de violar o dever de informação e a boa-fé objetiva” (REsp 1.303.374/RS).

Tribunais estaduais também têm reconhecido a abusividade do cancelamento injustificado após a confirmação da compra, impondo o cumprimento forçado da oferta ou indenização por danos morais e materiais.

6. Conclusão

Durante a Black Friday, o consumidor deve estar atento, mas o dever de diligência maior recai sobre o fornecedor, que não pode se escudar em falhas de sistema ou alegações genéricas de falta de estoque para descumprir ofertas que ele próprio divulgou.

O Código de Defesa do Consumidor garante instrumentos eficazes para exigir o cumprimento da oferta, a restituição em dobro do valor pago (art. 42, parágrafo único) e a indenização por eventuais danos.

Em tempos de promoções massivas e “bugs de preço”, é essencial reforçar que a confiança é a moeda central das relações de consumo — e que a Black Friday não deve ser um salvo-conduto para práticas abusivas, mas uma oportunidade legítima de compra com responsabilidade e respeito ao consumi

 
 
 

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