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O Mito do Plano de Saúde Coletivo: Quando o Plano de Saúde é, na Verdade, um Falso Coletivo

  • Foto do escritor: Rafael de Amorim
    Rafael de Amorim
  • há 5 dias
  • 4 min de leitura

A crescente judicialização dos contratos de planos de saúde tem revelado uma prática recorrente denominada pela jurisprudência como “falso coletivo”. Trata-se de contratos formalmente apresentados como planos coletivos empresariais ou por adesão, mas que, na realidade, abrangem apenas membros de um único núcleo familiar, inexistindo qualquer vínculo associativo ou empregatício que legitime a contratação como coletiva. A aparência de coletividade, nesses casos, serve apenas como instrumento para que as operadoras escapem da rígida regulação dos planos individuais, especialmente no que diz respeito aos reajustes anuais limitados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), à vedação de rescisão unilateral imotivada e ao maior escrutínio regulatório previsto na legislação de saúde suplementar.


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O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem reiteradamente reconhecido essa prática, conferindo ao consumidor proteção ampliada. No Agravo de Instrumento nº 0033509-43.2025.8.19.0000, a 5ª Câmara de Direito Privado destacou que o plano dito coletivo abrangia apenas três vidas no momento da adaptação contratual e atualmente apenas duas, todas pertencentes ao mesmo núcleo familiar, “traduzindo aquilo que vem sendo denominado pela jurisprudência de falso coletivo” 000441EE863DA590EA87DB90812376B…. Situação semelhante foi examinada no Agravo de Instrumento nº 0046828-78.2025.8.19.0000, apreciado pela 13ª Câmara de Direito Privado, no qual os beneficiários eram exclusivamente os quatro membros da família do sócio da empresa estipulante, configurando uma típica contratação artificialmente travestida de plano empresarial para mascarar sua natureza familiar e escapar dos limites regulatórios .

O entendimento é reforçado no Agravo de Instrumento nº 0075427-27.2025.8.19.0000, julgado pela 18ª Câmara de Direito Privado, que registrou que a fatura contratual indicava apenas duas pessoas seguradas, revelando contratação "sui generis" sem qualquer atributo de coletividade genuína, suficiente para caracterização do falso coletivo e aplicação do regime jurídico dos planos individuais e familiares, inclusive quanto aos reajustes anuais limitados pela ANS tmpAC4331606A424398A6EBC3D29A49…. A 21ª Câmara de Direito Privado, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 0053091-29.2025.8.19.0000, igualmente concluiu que planos coletivos compostos exclusivamente por familiares não podem ser equiparados aos coletivos verdadeiros, determinando a aplicação dos índices de reajuste autorizados pela ANS e reconhecendo a abusividade dos aumentos sucessivos por sinistralidade.

Esse raciocínio está alinhado ao que decidiu o Superior Tribunal de Justiça em diversos precedentes, entre eles o AgInt no REsp 1.880.442/SP e o AgInt no REsp 2.126.901/SP, no qual a Corte consolidou que “é possível, excepcionalmente, que o contrato de plano de saúde coletivo ou empresarial, que possua número diminuto de participantes, seja tratado como plano individual ou familiar”, aplicando-se, portanto, os critérios de reajuste fixados pela ANS e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). A Corte também reconhece que planos coletivos com menos de 30 vidas tendem a apresentar maior vulnerabilidade do contratante e menor poder de negociação, circunstância que reforça a incidência das normas protetivas consumeristas.

A identificação do falso coletivo produz efeitos jurídicos relevantes. Em primeiro lugar, impede que a operadora aplique reajustes unilaterais baseados em “sinistralidade” sem comprovação técnica, já que tais critérios são praticamente inaplicáveis a grupos compostos por duas, três ou quatro vidas, onde a variação estatística inviabiliza qualquer análise atuarial séria. A abusividade desses reajustes é reiteradamente reconhecida pelos tribunais, que têm limitado os aumentos aos índices anuais definidos pela ANS para planos individuais, com fundamento nos arts. 6º, III, 39, V e 51, IV e X do CDC, no art. 15 da Lei 9.656/98 e no dever de boa-fé objetiva consagrado pelos arts. 421 e 422 do Código Civil.

Em segundo lugar, a constatação de falso coletivo leva à possibilidade de restituição dos valores pagos a maior. Seguindo o Tema 610 do STJ, a jurisprudência tem aplicado o prazo prescricional trienal previsto no art. 206, §3º, IV, do Código Civil para o ressarcimento de quantias cobradas indevidamente a título de reajustes abusivos. Esse entendimento foi expressamente adotado no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0033509-43.2025.8.19.0000, quando a Corte afirmou que “o prazo prescricional de três anos deve incidir sobre a pretensão de restituição de valores pagos a maior em razão da declaração de nulidade dos reajustes aplicados” .

Outra consequência prática relevante é a concessão de tutelas de urgência para suspender reajustes abusivos, quando demonstrado o risco de cancelamento do plano por inadimplência. Esse fundamento foi utilizado tanto no Agravo de Instrumento nº 0075427-27.2025.8.19.0000, no qual se reconheceu que a manutenção dos aumentos poderia inviabilizar a continuidade da assistência e comprometer a saúde dos beneficiários tmpAC4331606A424398A6EBC3D29A49…, quanto no Agravo de Instrumento nº 0053091-29.2025.8.19.0000, no qual se afirmou que o risco de inadimplemento decorrente de reajustes sucessivos justifica a aplicação do art. 300 do CPC para resguardar o direito fundamental à saúde .

Do ponto de vista dogmático, o falso coletivo viola o princípio da boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual, uma vez que a operadora se beneficia da aparência de coletividade para impor condições mais gravosas ao consumidor sem oferecer contrapartidas. A roupagem empresarial, quando utilizada apenas para fugir das restrições regulatórias, afronta diretamente o art. 39, V, do CDC, que veda a exigência de vantagem manifestamente excessiva, bem como o art. 51, IV, que declara nulas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. Além disso, a ausência de transparência nos reajustes — especialmente quando a operadora se recusa a apresentar os documentos exigidos pelo art. 9º da RN 309/2012 da ANS — também reforça a nulidade das cláusulas de aumento por sinistralidade.

Em conclusão, a prática do falso coletivo representa uma distorção do sistema de saúde suplementar que desequilibra a relação contratual e fragiliza a proteção do consumidor. O Judiciário, em alinhamento com o STJ e com os princípios do CDC, tem atuado para corrigir essa irregularidade, reenquadrando o contrato em sua real natureza e impondo a aplicação dos índices da ANS, a limitação dos reajustes, a restituição dos valores pagos indevidamente e a concessão de tutelas provisórias sempre que necessário para garantir a continuidade da assistência à saúde. A uniformidade dos precedentes — como demonstram os julgamentos dos processos 0033509-43.2025.8.19.0000, 0046828-78.2025.8.19.0000, 0075427-27.2025.8.19.0000 e 0053091-29.2025.8.19.0000 — evidencia que o falso coletivo não apenas é reconhecido, mas combatido, reafirmando que a boa-fé, a transparência e o respeito ao consumidor não podem ser afastados por estratégias contratuais artificialmente construídas.

 
 
 

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